Como a vida dos deuses da mitologia grega estava diretamente ligada aos habitantes da Grécia, influenciando até as guerras, nada mais natural do que homenageá-los. Dionísio, deus da uva, do vinho, da embriaguez e da fertilidade, a princípio, era homenageado pelos primitivos habitantes da Grécia, por meio de procissões que procuravam relembrar sua vida. O cortejo era realizado na época da colheita da uva. Os habitantes acreditavam que dessa forma garantiriam, sempre, uma abundante colheita.
Aos poucos, e ao longo de centenas de anos, as procissões vão se organizando melhor. O que inicialmente era um grupo de pessoas desorganizadas, cantando e dançando a luz de tochas, sacrificando o bode (animal que comia o broto das uvas); com o passar do tempo se transformou em grandiosas representações, que reunia toda a comunidade, em diferentes khorós (coral ou coro) cantados por participantes vestidos de bodes, os sátiros, e pelas ninfas.
O coro se dividia em subcoros que dialogavam entre si e eram conduzidos por um solista chamado de corifeu (o líder do coro) que dialogava com os coreutas (participantes do coro). Girando em volta da Thymele (pedra sacrifical) esse coro invocava, narrava (sempre na terceira pessoa) e celebrava os feitos do deus Dionísio. O ditirambo (canto do bode) era, nesses rituais, o hino cantado em louvor a Dionísio. Uma forma análoga às procissões Dionisíacas é a da Semana Santa Cristã, onde a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo são relembradas.
Assim eram as Dionisíacas, até que um corifeu de nome Téspis começou a percorrer as cidades com uma carroça que se prestava, às vezes, de palco, e ao redor da qual, se reuniam os espectadores. Em 534 a.C., Téspis, resolve encarnar a personagem de Dionísio, e transforma a narração feita na 3ª pessoa, em um discurso proferido na primeira pessoa:
“Grossa túnica nos ombros e tosca máscara sobre o rosto, Téspis desceu solene e grave os degraus do altar que improvisara sobre uma carroça. Os cidadãos embriagados pelo vinho e afoito por novidades, comprimiam-se na praça do velho mercado de Atenas, a mais importante cidade do Estado da Grécia. Inesperadamente, afirma: “Eu sou Dionísio, Deus da alegria”!
Um surpreendente sacrilégio. Um homem postando-se como um deus. Houve revolta e medo em alguns. Muitos, porém, viam essa postura, como um louvor ao Deus do Vinho. Foi também o instante em que, pela primeira vez, um obscuro e arrogante grego se faz aceitar, pelos atenienses do mercado, como deus de carne e osso: era o nascimento do Teatro.
Téspis rompeu com as tradições das declamações em coro, e passou apresentar-se, em suas representações, como protagonista (proto = principal + agonista = ator). É, por isso, considerado, historicamente, o primeiro ator grego e do teatro ocidental.
Posteriormente, Ésquilo introduziu um segundo ator, o Deuteragonista. Mais tarde, Sófocles introduziu o terceiro ator, o Tritagonista. Cada ator, então, representava vários personagens que dialogavam entre si, fazendo com que este não fosse mais limitado entre o herói e o coro, mas também entre as personagens em cena.
No entanto, o coro não deixou de existir, estará presente exercendo diversificadas atividades cênicas, como: expor antecedentes, fazer saber o que ocorre nos episódios fora da vista dos espectadores, etc.
A Preparação Dos Concursos
A preparação das Grandes Dionisíacas ficava sob a responsabilidade de um Arconte, funcionário do governo, que recrutava os coregos (cidadãos ricos). Assim, o custo da produção era dividido entre o Estado - responsável pela manutenção do teatro, pelo pagamento do coro e dos prêmios - e os coregos, que recrutavam os atores e encarregavam-se da organização. Garantiam, também, o acesso de todos os cidadãos aos espetáculos, com uma ajuda de custo para o pagamento dos ingressos, e refeições, nos dias de festivais, para os mais pobres.
Os Concursos
O teatro estava criado. Para incentivá-lo, instituíram-se os concursos públicos de tragédias, que coincidia com a estabilização do governo democrático em Atenas. A regulamentação exigia a inscrição, de três tragédias, por candidato, com temas mitológicos retratando as relações entre os homens e os deuses, e um drama satírico. O canto e a dança devia mesclar-se a poesia.
No primeiro volume da Arte Poética, Aristóteles formula as regras básicas para a arte teatral: a peça deve respeitar as unidades de tempo (a trama deve desenvolver-se em 24h), de lugar (um só cenário) e de ação (uma só história).
Os concursos aconteciam durante três festivais que eram organizados anualmente ao deus Dionísio. Eram eles:
As Dionísias Urbanas - celebradas na primavera (fins de março) e frequentadas por toda a população grega, além de embaixadores estrangeiros. A festa durava seis dias. No primeiro se fazia uma solene procissão, com a participação de toda a cidade. Nela se levava a estátua de Dionísio que era colocada junto à orquestra do Teatro. Nos dois dias seguintes realizavam-se os concursos com a apresentação dez coros ditirâmbicos.
Os concursos dramáticos eram realizados nos três últimos dias. Três poetas trágicos e um satírico (tetralogia) eram escolhidos, para representarem, cada um deles, sua obra inteira, no mesmo dia.
Leneanas - tinham um caráter mais local. Celebrava-se no inverno (fins de janeiro). Duravam de três a quatro dias. Uma procissão, de cunho extremamente silencioso e um duplo concurso de comédias e tragédias eram as atrações da festa.
Dionísias Rurais - celebravam-se apenas nos "demos" (povoados) em fins de dezembro. Foram as mais antigas festas a Dionísio.
No final dos concursos dramáticos, realizava-se o julgamento e, em seguida, dava-se o resultado da classificação final. As categorias premiadas eram três: poetas, coregos e protagonistas. Essa classificação era votada por um júri, que dava seu veredicto sob forma de voto secreto. As representações começavam pela manhã. E se assistia ao espetáculo com uma coroa de louro na cabeça, como nas cerimônias religiosas. As mulheres atenienses, embora não pudessem participar da cena, podiam assisti-la como espectadoras, pelo menos as tragédias. Quanto à comédia, devido a certas liberdades inerentes ao gênero, não era freqüentada pelas atenienses mais "sérias".
As máscaras que simbolizam o teatro vêm daquela época, pois as mulheres gregas, por não serem consideradas cidadãs, não podiam encenar e os homens tinham de fazer os dois papéis.
Téspis foi o vencedor do primeiro concurso (534 a.C.), mas a tragédia vencedora, nem outras que escreveu chegaram até nós. ®Sérgio.
RICARDO SÉRGIO
Publicado no Recanto das Letras em 09/07/2006
Ajudaram na elaboração deste texto:
NUÑEZ, Carlinda Fragale Pate e outros. O teatro através da história. Rio de Janeiro: CCBB, 1994.
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego origem e evolução. São Paulo: Ars Poetica, 1992.
Código do texto: T190350