A discussão a respeito das idéias e da influência de Brecht sobre o teatro brasileiro tem marcado presença nos meios artísticos e intelectuais brasileiros por muitas décadas.
A obra do poeta e dramaturgo já era mais ou menos conhecida no Brasil desde sua morte, em 1956. O crítico Sábato Magaldi escrevera um artigo sobre o autor para o Suplemento Cultural do Estadão naquele ano. Uma montagem de A alma boa de Setsuan foi realizada em 1958 pela Companhia Maria Della Costa-Sandro Polloni, em São Paulo. Não apenas a capital paulista, mas também o Rio de Janeiro, Salvador e Porto Alegre, principalmente, viram montagens de peças do autor nesses quase cinqüenta anos em que ele é conhecido no Brasil.
A influência das idéias e da estética do dramaturgo é patente em autores, diretores e demais artistas de teatro, em instituições e entidades culturais e políticas como Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, e nos CPCs da UNE (Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes). Textos e montagens como Revolução na América do Sul, Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes, de Augusto Boal, criador do Sistema Curinga, inspirado no distanciamento brechtiano, e todo o desenvolvimento posterior de sua teoria teatral são realizações que devem muito ao Pequeno Organon (1948) e ao Teatro de Brecht.
Também nesse quadro insere-se o Teatro Oficina de José Celso Martinez Corrêa, na montagem do Rei da vela, de Oswald de Andrade, e nas elogiadas Galilei Galileu e Na selva das cidades, do próprio Brecht, e mesmo no polêmico Roda viva, de Chico Buarque, dirigido por ele. Ainda Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri (que, apesar de usar black tie na forma dramática, não deixou de fazer um macacão épico, contrariando Iná Camargo da Costa), Francisco de Assis, Aderbal Freire Filho, O Grupo Opinião e seus shows (no Rio de Janeiro), Fauzi Arap, Dias Gomes e (por que não?) Millôr Fernandes, no momento em que concebeu o espetáculo Liberdade, liberdade junto com Flávio Rangel.
O momento político-estético mais sensível da recepção de Brecht no Brasil, as experiências e os artistas mencionados, que aconteceram/atuaram principalmente dos anos 1950 até o final dos anos 1960, podem ter deixado de lado o apuro na aplicação dos postulados teóricos e técnicos criados por Brecht, mas convém não esquecer que, no enfrentamento político-cultural daquelas décadas, em especial nos primeiros momentos da ditadura militar (1964-1968), importava mais o que se fazia do que como se fazia. O como foi objeto de julgamento severo de autores como Iná Camargo da Costa, no seu A hora do Teatro Épico no Brasil, julgamento feito com a devida distância no tempo (1996). Resta saber se, mesmo assim, faz-se justiça estética e política a criadores que atuaram em condições tão adversas. De resto, a resposta do crítico teatral e imortal Sábato Magaldi às críticas da autora em artigo do mesmo ano (Polêmica do Teatro Épico - 1996), republicado no seu Depois do espetáculo (2003), faz um contraponto que merece ser lido.
Do ponto de vista do movimento editorial, a recepção e a crítica à obra de Brecht foi e continua sendo boa no Brasil. A partir de críticos, pesquisadores e ensaístas como Anatol Rosenfeld, Sábato Magaldi, Ingrid Koudela, Gerd Bornheim, Jaco Guinsburg, Antonio Pasta Jr., Fernando Peixoto (tradutor também do Teatro completo de Brecht - 12 vols.) e mais recentemente Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano, além de tradutores como Manuel Bandeira (O círculo de giz caucasiano), Christine Röhrig (O declínio do egoísta Johann Fatzer), Paulo Cesar Souza e Geir Campos (Poemas e canções) e Maria Silvia Betti (O método Brecht, de Frederic Jameson), temos acesso a muitas obras do autor e sobre sua vida, assim como ao estudo e à crítica de seus postulados estéticos e teatrais.
As metáforas dos anos 1960 e o experimentalismo (a criação coletiva) dos anos 1970 revelaram-se obsoletos para uma era de individualismo exacerbado, predomínio da imagem e busca do efeito estético impressionante, como foi a década de 1980. O vácuo foi em parte preenchido pelo besteirol (Mauro Rási, Hamilton Vaz Pereira, entre outros), mas a hegemonia foi quase total dos encenadores-criadores, como Antunes Filho, Gerald Thomas, Ulisses Cruz, William Pereira, Moacir Góes, mais ou menos presentes na cena teatral ao longo da década, que teve também a presença de Eduardo Tolentino e o conjunto preciso de seu Grupo TAPA. Foram criados espetáculos belos, mas destituídos da força instigante do teatro épico. Destaque para o espetáculo e disco Cida Moreyra Canta Brecht (1988).
Dos anos 1990 para cá, o momento de ressurgimento de Brecht como força estética e politicamente propulsora para o teatro brasileiro coincide com a retomada do trabalho em grupo, com as propostas, em São Paulo (frize-se), das companhias Parlapatões, Companhia do Latão, Folias D´Arte, Teatro Ágora, Teatro da Vertigem, Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes, entre outras, que têm no dramaturgo alemão referência obrigatória para seus artistas não apenas como autor mais próximo ideologicamente de sua formação política, mas principalmente pelo desafio que ele representa para os criadores. Aí estão dramaturgos, dramaturgistas, em colaboração direta com atores, diretores, cenógrafos, no processo colaborativo, devedor dos métodos e das idéias de Brecht, ou na criação de uma dramaturgia em processo, à procura de caminhos para o teatro brasileiro.
FONTE: http://www.apropucsp.org.br/revista/rcc01_r09.htm
FONTE: http://www.apropucsp.org.br/revista/rcc01_r09.htm
Dossiê Brecht
BRECHT Teatro, estética e política
Eduardo Luiz Viveiros de Freitas