O CURTO PERCURSO DE UM GRANDE DRAMATURGO
Oduvaldo Viana Filho (1936-1974) viveu apenas 38 anos, tempo suficiente para ser reconhecido como um dos maiores nomes da história da dramaturgia brasileira. Autor, ator, pensador do teatro e agitador cultural, Vianinha procurou criar um teatro que refletisse os problemas das classes populares brasileiras, procurando formas de expressão que estimulassem atitudes críticas diante desses problemas.
Vianinha estreou no teatro em 1955, atuando como ator na peça Rua da Igreja, de Lennox Robinson. Desde então participou dos mais importantes grupos de teatro da época, como o Teatro Paulista do Estudante (1954-1955), o Teatro de Arena (1955-1960) e o Centro Popular de Cultura da UNE (1960-1963), sendo um dos criadores deste último.
Espírito polêmico e combativo, Vianinha inspirou-se em Brecht para criar peças que lhe permitissem uma investigação crítica da realidade histórica brasileira, buscando uma forma teatral coerente com as transformações sociais e políticas pelas quais sempre lutou. Destacam-se, em sua extensa obra dramatúrgica, as peças Chapetuba Futebol Clube (1959), A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar (1960), Auto dos 99% ou Como a Universidade Capricha no Subdesenvolvimento (1962), Os Azeredo mais os Benevides (1963), Papa Highirte (1968) e Rasga Coração, sua última peça, concluída no leito de morte, em 1974. Segundo o crítico teatral Sábato Magaldi, as principais qualidades da obra de Vianinha são “a sensibilidade, a delicadeza, a finura psicológica, o diálogo de bom nível literário e a firmeza ideológica na análise dos problemas sociais”, características que dão às suas peças uma riqueza poética que continua fascinando platéias por todo o Brasil, quase 30 anos após a sua morte .
RASGA CORAÇÃO
Escrita entre os anos de 1972 a 1974, Rasga Coração venceu o Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro em 1974, sendo censurada logo em seguida. Apesar do imediato reconhecimento da crítica, a peça, como muitas outras de Vianinha, teve que aguardar um longo período para poder ser encenada. A estréia nacional ocorreu em 1979, no Teatro Guaíra, em Curitiba, com um elenco que contava com nomes como Raul Cortez, Ary Fontoura e Lucélia Santos, dirigidos por José Renato.
A peça narra a história de Manguary Pistolão, um funcionário público, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro, e os seus conflitos com o filho Luca, um jovem que se interessa por Ioga, Macrobiótica e Zen-Budismo, não demonstrando nenhum interesse por política. Constituída de saltos narrativos entre passado e presente, Rasga Coração relata momentos cruciais da história brasileira do último século. No plano do passado, a ação perpassa momentos como a Revolução de 30, a Revolta da Vacina, a luta da militância comunista contra o Estado Novo de Vargas e a Ação Integralista, momentos que vão sendo narrados em meio aos conflitos entre o jovem Manguary e seu pai, o fiscal de saneamento 666. O plano do presente mostra a dificuldade de entendimento entre Manguary e seu filho Luca, tendo novamente a história do Brasil como pano de fundo, em um período marcado pelo desenvolvimentismo de J.K, a tomada de poder pelos militares e a censura imposta por estes. A figura tragicômica e arruaceira de Lorde Bundinha, amigo de Manguary, faz a ligação entre os dois planos cronológicos.
Repleta de músicas e de gírias das épocas de 30 e 60, fruto de uma meticulosa pesquisa lingüística e historiográfica, Rasga coração é apontada como a obra prima de Vianinha, podendo ser considerada a síntese de todo o seu trabalho dramatúrgico. No prefácio da obra, o autor apresenta os objetivos da peça: “Rasga Coração é uma homenagem ao lutador anônimo político, aos campeões das lutas populares; preito de gratidão à Velha Guarda, à geração que me antecedeu, que foi a que politizou em profundidade a consciência do País. (...) Em segundo lugar, quis fazer uma peça que estudasse as diferenças que existem entre o novo e o revolucionário. O revolucionário nem sempre é novo e o novo nem sempre é revolucionário.” Certamente, esses objetivos foram atingidos por Vianinha, apesar de não poder ter visto a encenação de sua obra-prima, pois morreu poucos dias após a conclusão da peça.
FONTES:
VIANNA FILHO, Oduvaldo. Rasga Coração. Rio de Janeiro: Funarte, 1980;
Página do Grupo TUCCA na internet : http://www.unioeste.br/extensao/teatro/tucca/;
BETTI, Maria Silvia. Vianinha, Permanência e engajamento após o fim da utopia in Jornal da Tarde 7/8/99.
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